Diz a lenda que Orchamus, rei da Babilônia e das províncias da Achemenia, tinha duas filhas, a romântica Clytie e a deslumbrante Leukothoe.

Clytie tomou-se de amores pelo deus do sol, Hélios (citado também como Apolo), que, momentaneamente retribuiu os sentimentos da jovem. Porém, apos algum tempo, Hélios sucumbiu à beleza de Leukothoe, e apaixonou-se pela bela princesa.
Clytie, louca de ciúme e tristeza, contou a Orchamus sobre os embates amorosos de sua irmã e Hélios. O poderoso rei da Babilônia, sentindo-se desonrado, ordenou que a pobre Leukothoe fosse queimada viva, sentença que foi executada imediatamente. Clytie, tomada pelo remorso, refugiou-se na floresta por nove dias, fazendo nada mais do que acompanhar a trajetória solar, e finalmente transformou-se em heliotrópio, a flor da devoção, que tem a face sempre voltada para o sol, e um odor ligeiramente abaunilhado.

Heliotrope, da marca Italiana Etro, capta a doçura do heliotrópio, sendo muito mais alegre que a lenda. O odor inicial lembra fortemente uma mistura de amêndoas a um toque de cerejas, num fundo levemente atalcado. O conjunto assemelha-se ao odor do marzipã, e a personalidade da fragrância é divertida, e, ao menos no meu caso, transmite um certo clima de felicidade gourmande.
As notas oficiais dessa colônia lançada em 1989, são: flor-de-laranjeira, bergamota, petigrain (abertura), íris, jasmim, heliotrópio , ylang-ylang e rosas (corpo), numa base de bálsamos tolu e do Peru, cumaru (tonka bean), almíscar e baunilha. Apesar do vasto leque de compon

Heliotrope traduz perfeitamente a mistura entre a personalidade solar e exuberante de Hélios, nas notas amendoadas, e o romantismo cotemplativo e intimista de Clytie, no fundo almiscarado. Eu nunca entendi como uma flor poeticamente alegre, como o heliotrópio, é ligada a uma lenda tão triste como a de Clytie. Talvez a explicação venha do fato de que a bela princesa tenha finalmente encontrado a felicidade, ao acompanhar diariamente a trajetória do seu amado deus do Sol, e ter inspirado uma fragrância como Heliotrope, de Etro.
PS - Algumas versões da lenda apontam Clytie como uma ninfa marinha, filha de Oceanus e Thetys, e indicam o girasol, e não o heliotrópio, como produto de sua transformação.
Ilustrações - primeira à direita - Clytie ( 1895-1896), de Frederick Leighton
~ à esquerda - "Clytie changée en tournesol par Apollon" (1688), de Charles La Fosse (1636 - 1716)
~segunda à direita - heliotrópio flor
